Hoje olho o futuro com visão de quem vê efusivamente algo que ainda vá se viver, não se preocupando com o que se foi. Uma senhora de seus noventa e poucos anos, não procura mais fatos lógicos pra se viver, apenas vive. Um dia após o outro compartilhei emoções, motivei pessoas, fiz parte de uma nação, viajei por alguns locais e me senti inerte, pedi à Deus uma velhice tranquila e cheia de netos a me puxar a barra da saia dizendo: "vovó quero um pedaço de bolo antes do jantar" ou "posso brincar um pouco mais?" E no entanto o que tenho hoje são camas lado a lado em um alojamento de velhos assim como eu. Estou aqui no centro de uma grande cidade, velha por fora e jovem por dentro, estudei magistério e fui professora por alguns anos, realmente gostava de ensinar a ler e tinha em meus estudos enorme apreço. Vi duas guerras e várias revoluções, tive as minhas também acredito que as mais duras, aquelas interiores...
Tive uma bela casa, me casei, meu marido era um cara totalmente retrógrado e amargurado, mas dizia que me amava, num tempo em que o casamento vinha antes do amor, eu acreditei nele até o seu ultimo dia de vida. Alguns filhos, dois ou três não me recordo ao certo a ordem de nascimento de ambos, seus nomes são: Augusto e Amélia, nunca mais os vi, me deixaram aqui dizendo que era o melhor pra mim, os vi pela ultima vez no dia em que me deixaram, era natal de 1998.
Continuamente desde então, fiz epistolas que nunca tive coragem de entregá-las hora por medo, hora por achar que isso não valera realmente a pena e que eu poderia gerar expectativas demais. Netos se tenho não os conheço.
Meu erro maior talvez tenha sido não sorrir tanto, por falta de motivos mesmo.
Sorriso você ficou guardado numa gaveta por tanto tempo! E sim me arrependi por isso.
Viajo sem sair do meu aposento, e só quem me olha com olhos de quem quer me descobrir sabe mesmo onde posso estar. Não temo mais.
Se eu tivesse escolhido quem eu queria ser como muitos escolhem em seus natos vinte e poucos anos, seria uma pesquisadora, precursora de algo realmente nobre.
Tenho sangue de quem viveu longe das tv's à cores na infância, de quem nasce somente para bordar, pintar e escrever em seu diário antes de casar. Fui à praia algumas vezes quando jovem de corpo ainda e gostava quando voltava pra casa com cara de por do sol, fins de tarde felizes aqueles em que eu pude ser simples!
Não me calo mais, me conheço e doou aquilo de melhor. Experiências.
Alias essa jovem que me entrevistou, sabe mesmo o que é viver.
Sem mais, hoje só tenho agradecer, pelos momentos em que eu aprendi lições, mesmo sem meus filhos e netos posso dizer que sei sorrir pois tirei o meu sorriso da gaveta e as epistolas, são coisas pequenas à posteridade.